POR MÁRCIO MOROLLO FILHO*
Domingo tinha tudo para ser um dia mais que especial… e foi!
Desde o começo do ano, aquele garotinho, de uma hora para
outra, passou a ser assíduo telespectador dos jogos do Palmeiras.
Não que tenha se tornado torcedor do Verdão apenas agora,
isso provavelmente ele já é desde o ventre materno, palmeirense. Como bem se
sabe, filho de palmeirense quase não tem escolha, e quando é atingido pela
febre verde, torna-se doente de vez.
Mas como criança, menino no auge dos seus 5 anos e alguns
meses, não tinha ainda a paciência necessária para se concentrar nos 90 minutos
de bola rolando, ao contrário do primo, de mesma idade, mas com outras cores no
coraçãozinho.
Assim, após uma dose deliciosa e muito bem vinda de
invencibilidade, com gosto de quero mais, passou a torcer, vibrar, pular, e a
ter no olhar aquele brilho tão familiar, aquela febre tão verde…
Descobriu um novo ídolo, um Pirata, já que o Santo se
afastara e o Mago, em retiro, buscava reinventar suas magias!
Vibrou com uma assombração aos adversários nas cobranças de
falta, gritou gol no meu colo muitas e muitas vezes, fez dancinhas, girou a
camisa no ar, pulando na bancada e no sofá de casa…
E deu seus primeiros passos na complicada arte dos
xingamentos, sob um olhar preocupado, que alertava: “No jogo, pode… Mas só
durante o jogo!”.
E ganhando esse importante aval, deliciava-se proferindo
impropérios ao juiz da vez, muitas vezes nem sabendo o que dizia, me olhando de
canto de olho enquanto eu, segurando o riso, ensaiava uma bronca: “Que foi,
pai? Só no jogo… né?” .
Coisa de moleque. E coisa linda de se ver…
Antes que o politicamente correto entre em campo, eu sei que
não parece certo, que os pais não devem incentivar seus filhos na arte do
xingamento. Só que, para quem gosta de futebol, ou melhor, para quem ama o
Palmeiras, o momento de duração de um jogo é um parêntese mágico na vida real,
um instante de pura epifania…
Significa estar também em campo e, para um moleque como ele,
tudo naquele espetáculo é fabuloso, são onze guerreiros, onze heróis que
deveriam saber que a paixão de meninos como ele está na ponta da chuteira, na
garra de cada um, na vontade de vencer.
Cometer tais traquinagens faz parte da vida e logo mais ele
dirá palavrões com os colegas, procurará seus significados no dicionário…
Por mais bobo que possa parecer isso significa amadurecer e
tornar-se homem, e no que depender de mim, ele será um grande Homem, mesmo
xingando o juiz durante o jogo!
Não foi o primeiro clássico da vida dele, outros tantos
aconteceram desde o finalzinho de 2005, quando nasceu.
Mas foi um dos primeiros que ele se lembrará para o resto da
vida, o primeiro assistido do início ao fim…
Com certeza, terminou sendo um dia de grande aprendiza do,
de entrega, de paixão, de experimentar aquela montanha russa de emoções que
significa ser palmeirense: da euforia à desolação em minutos!
Nós, pessoas grandes e crescidas, sabemos bem o que é isso,
vivenciamos essa experiência tantas e tantas vezes antes. Mas ele ainda não
sabia…
Em sua curta vida, estar invicto há tantos jogos era uma
eternidade.
Provavelmente ele não se lembrava de como era terminar um
jogo derrotado.
Sentiu anteontem, no clássico, esse gosto terrivelmente
amargo para um menino.
Sentiu o golpe, sofreu, chorou, se desesperou.
Como pai, eu gostaria de ter o poder de tirar dele essa dor,
de dizer que tudo aquilo era uma grande besteira, uma bobagem sem nenhum
significado, apenas um jogo…
Apenas um jogo…
Mas como eu poderia dizer isso ao meu filho se eu, tantas
vezes, me senti como ele?
Se eu, tantas vezes, quis gritar, chorar, quebrar coisas, e
perguntar “porquê”?
Como adulto, eu jamais poderia agir dessa man eira, deixando
a emoção mandar, mas ele, menino que acabara de completar seis anos, desenhando
um Pirata num navio lançando de seus canhões bombas com o símbolo do Palmeiras,
como poderia agir diferente?
E então, num momento catártico, deixei que ele colocasse
para fora o que sentia, assistindo com muita dor meu filho sofrer, pela
primeira vez, pelo Palmeiras, sofrendo junto, inutilmente.
Ele estava sendo
humano, demasiadamente humano, tentando reagir com diversas emoções
conflitantes ao mesmo tempo.
De todas as heranças que os filhos herdam dos pais, o time
do coração é questão das mais complexas.
É bom ter a companhia dele na torcida e na vitória, mas
vê-lo sofrer assim na derrota é muito doloroso.
Talvez fosse melhor esquecermos essa história de futebol e
focarmos no que é importante da vida. Mas que graça teria?
Precisamos de ritos na vida moderna, e o futebol, embora
seja comercialmente algo de potencial sem precedentes, c umpre essa tarefa.
Filho, você é um companheiro maravilhoso.
Inclusive na arquibancada…
Vê-lo cantar o hino, vê-lo torcer, receber seu abraço
eufórico na comemoração do gol é algo que não tenho como descrever.
Mas saiba que em todas as derrotas que virão também
estaremos juntos, íntegros, mais fortes e sábios, e aos poucos você aprenderá a
lidar com elas, no campo, e, principalmente, fora dele. Eu te quero feliz, meu
Príncipe!
Sobre o clássico perdido, só posso te dizer que a vida é
assim, um dia ganhamos, no outro perdemos.
Mas, segura em minha mão, pois, permaneceremos, cantando,
vibrando e ostentando a nossa fibra!
*Márcio Morollo Filho é um palmeirense apaixonado e pai
sensível. É coordenador de Tecnologia da Informação na Audax Engenharia, pai do
lindo Marcinho e faz aniversário neste 27 de março.