Quarta-feira de cinzas e é festa em Vila Isabel.
Berço do samba, das calçadas por onde viveu Noel Rosa e hoje estão gravadas suas músicas, desde as 17h canta pelo título do carnaval carioca. Contudo, quando vemos um desfile, não podemos deixar de enxergar ali uma indústria que consome e produz milhões.
É cada vez mais comum vermos grandes corporações como patrocinadoras (as vezes nem tão claras) por traz dessa grande festa, exigindo que os temas sejam trabalhados conforme sua ótica. Fica claro que a expansão do capitalismo monopolista no carnaval não
é mais tendência, é uma realidade.
Hoje me deparei com o texto enviado por um colega no Facebook.
Movimentos sociais elogiam samba da Vila Isabel e questionam patrocínio da Basf
Organizações, movimentos sociais e pesquisadores, que
integram a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, entregaram
anteontem (29) uma carta à vice-presidente da Unidos de Vila Isabel,
Elizabeth Aquino. O documento elogia a escola pelo samba enredo “A Vila canta o
Brasil celeiro do mundo – água no feijão que chegou mais um”, composto por Rosa
Magalhães, Alex Varela e Martinho da Vila, que enaltece a agricultura familiar.
A carta também critica o patrocínio da empresa alemã Basf, uma das maiores
fabricantes de agrotóxicos do mundo, devido à associação da imagem do grupo com
a biodiversidade.
Embora muitos ignorem, o patrocínio é uma ferramenta sem precedentes que acaba levando as marcas, e suas práticas, ao nosso convívio promovendo um consumo indireto das mesmas |
Ao entregar a carta, Marcelo Durão, da direção do Movimento
dos trabalhadores Sem Terra (MST), afirmou que muito do que a escola está
colocando é o reconhecimento da pequena agricultura. Os movimentos, nesse
sentido, querem colocar uma faixa da campanha transmitindo solidariedade à
escola. O local ainda será definido, e ficou a sugestão da própria sede da
agremiação.
“Um agradecimento e reconhecimento da pequena agricultura
que a escola está levando para avenida, mas temos um posicionamento crítico que
está escrito na carta. Enquanto representante dos movimentos organizados do
campo, saúdo o reconhecimento da Vila Isabel da importância do pequeno
agricultor para a produção de alimentos. Vamos mandar a frase antes, a nossa
ideia é valorizar o reconhecimento que a escola deu para o campesinato.
Não
queremos arrumar nenhum problema para escola”, destacou Durão.
Reconhecendo desde o início a questão da ajuda da Basf,
Elizabeth Aquino disse que não há problema mas haverá uma avaliação do conteúdo
pois “não é a praia da escola tomar partido”. Ela destacou que em 2008 o enredo
da Vila foi “Trabalhadores do Brasil”, e com o destaque da ala dos homens do
campo desde então essa temática foi escolhida para entrar na Marquês de
Sapucaí.
“Já tinha essa ideia, e com a ajuda do patrocínio da Basf
ficou viável. A parte da empresa que está nos ajudando é a do agronegócio
mesmo, então todos nós sabemos que são usados agrotóxicos e inseticidas, que
pode não fazer algum bem por um lado e por outro tem que haver. Só que nós não
temos nada com isso. O carnaval é extremamente competitivo, somente com o
repasse da prefeitura nenhuma agremiação faz o carnaval. É preciso buscar
outros recursos. Se a Basf é prejudicial, como a Bayer e outras tantas, cabe às
autoridades fechá-la. Não vai ser uma escola de samba que vai conseguir isso”,
observou.
Animais, espantalhos, natureza, dentre outros elementos que
compõem a biodiversidade, serão retratados nas alegorias e fantasias da escola,
que apresentará seu enredo no dia 11 de fevereiro. O homem do campo será
representado de forma lúdica, sem a imagem dos grandes agricultores e
“maquinário agrícola top de linha”, complementou a vice presidente. Segundo
ela, de acordo com o regulamento da Liesa (Liga Independente das Escolas de
Samba do Rio de Janeiro) não é permitida a utilização de merchandisign, então
não haverá nenhuma menção à Basf durante o desfile. Beth, como é chamada, não
quis revelar o valor do apoio, alegando se tratar de uma prerrogativa do
presidente.
A empresa, por sua vez, também não informou o valor do
patrocínio. Segundo a assessoria, não tiveram “a confirmação de que a Vila
Isabel recebeu qualquer carta de um movimento social a respeito da parceria da
Basf, por isso não temos o que afirmar a respeito”. Em nota, eles enviaram um
posicionamento que destaca, entre outras coisas, que a parceria é mais uma ação
que sustenta a estratégia de negócio da Basf.
“Tal iniciativa é parte integrante da estratégia da Unidade
de Proteção de Cultivos na América do Sul, cujo foco principal é a valorização
do produtor rural e sua atividade, iniciada em 2009 com uma campanha multimídia
de valorização da agricultura nacional intitulada ‘O Planeta Faminto e a
Agricultura Brasileira’. Desde então, a Basf tem desenvolvido iniciativas que
conscientizem a sociedade sobre a importância da agricultura e também sobre o
papel do agricultor não somente para a economia do País, mas também para o dia
a dia de todos”, informa a nota.
Um dos autores do samba enredo e talvez o músico mais
respeitado pela Unidos da Vila Isabel, Martinho da Vila, segundo sua assessora,
se incomodou em função da sua militância com o fato de a escola homenagear os
agricultores com apoio do agronegócio. Nesse sentido, o cantor propôs
acrescentar a expressão “reforma agrária” na letra da música, mas como o tema é
polêmico só consentiram em colocar a palavra “partilhar”, informou sua
assessora.
Saúde e biodiversidade não combinam com agrotóxico
Em destaque aos casos de cânceres causados pelo consumo e
manejo de agrotóxicos, apontados por diversas pesquisas, Sueli Couto, do
Instituto Nacional do Câncer (Inca), lembrou que 40% dos cânceres são passíveis
de prevenção. Em sua opinião, é necessário promover a alimentação saudável, que
vem da agricultura familiar, responsável pela produção de 70% dos alimentos que
chegam às mesas dos brasileiros, de acordo com os dados do Censo Agropecuário
do IBGE de 2006.
“Precisamos usar mais esses canais para promover coisas
saudáveis. As pessoas precisam entender que os alimentos não vêm do
supermercado, porque principalmente as crianças acham que o alimento está
empacotado. Precisamos valorizar esse homem que não tem feriado, e de sol a sol
ele vai colocar nossa comida na mesa. Os urbanos não reconhecem isso. E é
importante que a população possa ter uma alimentação segura”, alertou.
Para contextualizar o que a Basf representa em termos de
saúde pública, André Burino, da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio
(EPSJV-Fiocruz), explicou que o que une os movimentos na entrega dessa carta é
a Campanha permanente contra os agrotóxicos e pela vida, pois o Brasil é o
maior consumidor de “venenos agrícolas” desde 2008.
“Seis grandes multinacionais do planeta dominam o mercado
mundial de agrotóxicos e sementes transgênicas, e a Basf é uma delas.
Reconhecemos o samba com a maior sinceridade, porque a gente vê muito pouco
espaço na mídia para reconhecer esse agricultor. Entendemos as necessidades do
que se tornou algo muito competitivo entre as escolas, mas a empresa vai querer
tirar seu proveito para tentar criar uma imagem indireta de que a Basf combina
com biodiversidade. Porque toda a escola virá representando a biodiversidade,
só que o agrotóxico não combina com a biodiversidade. Óbvio que os
patrocinadores vão tirar proveito disso”, criticou.
Não tem nada com mais visibilidade que o carnaval, uma festa
grandiosa internacional, reconheceu a vice presidente da escola. Ela reforçou,
no entanto, que há uma liberdade poética do artista para o tema em sua
representação e a Vila não fará apologia à empresa. Ressaltou ainda outros
trabalhos oferecidos pela Unidos de Vila Isabel à comunidade local na área
social, cultural, odontológica, dentre outras, graças a outros patrocínios,
como o da Petrobras e o do supermercado Extra.
A carta entregue pelos três integrantes da Campanha
Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida ressalta, dentre outras
observações, que: “... a Vila Isabel está sendo usada pelo agronegócio
brasileiro para promover sua imagem, manchada pelo veneno, pelo trabalho
escravo, pelo desmatamento, pela contaminação das águas do país e por tantos
outros problemas. O agronegócio, que não pinga uma “gota de suor na enxada”,
nem “partilha, nem protege e muito menos abençoa a terra”, quer se apropriar da
imagem dos camponeses e da agricultura familiar, retratada no samba enredo de
2013, para continuar lucrando às custas do envenenamento do povo brasileiro”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário