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sexta-feira, junho 27, 2014

Bem Mais Que Apenas Futebol - Eu Etiqueta



Há quem diga que o futebol romântico começou a morrer em 21 de junho de 1970 no estádio Asteca, ajoelhado no gramado, 30 segundos, cadar
ços afrouxados e amarrados.

Esse talvez tenha sido o primeiro grande golpe de marketing esportivo da história. Era a primeira final de Copa do Mundo transmitida ao vivo e a cores da história, um público de aproximadamente 200 milhões de pessoas e a PUMA já havia arquitetado junto com Pelé uma encenação que exporia sua marca como nunca antes ao custo de 25 mil dólares à vista e mais 100 mil por 4 anos de contrato além de 10%  sobre cada par de chuteiras vendidas. 

A FIFA notificou a marca Blue Man por
marketing na sunga de Neymar
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Existem rumores de que a versão real é a de que Pelé, que usava chuteiras Adidas, concorrente histórica da Puma, com medo de utilizar chuteiras novas justamente na partida mais importante do torneio e machucar seus pés, pintou o par já amaciado, escondendo as tradicionais 3 listras da Adidas e colocando por cima a faixa tradicional da Puma. O ato fica ainda mais saboroso quando se leva em conta a rivalidade entre as duas marcas. Dois irmãos, os alemães Rudolf e Adolf Dassler, abriram uma fábrica de sapatos na cidade de Herzogenaurach. Após uma briga feia, decidiram separar a empresa. Adolf fundou a Adidas – seu apelido era Adi. Rudolf criou a Puma. Os irmãos permaneceram brigados até o fim da vida e mesmo na morte. Eles foram enterrados em lugares distantes do mesmo cemitério.

Neymar é filho de Pelé


Nascidos no mesmo berço, jovens prodígios, camisas 10, Neymar segue de perto os passos e ao que parece as estratégias de marketing de Pelé.

Parecia um gesto distraído, sem propósito, um ato de teatro como deve ser uma eficiente peça de marketing. Ontem, no jogo contra o Atlético de Madri, pela Liga dos Campeões, Neymar levantou ao menos cinco vezes a camisa do Barcelona, deixando à mostra a cueca da marca Lupo, com a qual tem patrocínio. Quase sem querer. O short estava abaixado, e o logotipo estava bem à mostra. Todo mundo nega tudo. Neymar diz que não foi de propósito – até porque esse tipo de propaganda é proibido pela Fifa e pela Uefa. A marca diz que não pediu nada.



Essa história toda me fez lembrar do poema Eu etiqueta de Carlos Drummond de Andrade.

Eu Etiqueta
Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É doce estar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão
mim-mesmo,
ser pensante,
sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comprazo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam,
e cada gesto, cada olhar,
cada vinco da roupa
resumia uma estética?
Hoje sou costurado, sou tecido,
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrina me tiram, recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo de outros
objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu sou a coisa,
coisamente.
Carlos Drummond de Andrade


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